Ultimamente o tema cultura tem ocupado grande espaço na mídia, com a polêmica sobre patrocínios culturais. Preocupados com possíveis mudanças na reforma tributária, que devem atingir as leis de incentivo à cultura, grandes empresas "patrocinadoras", agenciadores de projetos e produtores culturais questionam como ficarão os patrocínios daqui pra frente. Há indícios de que as regras
permanecerão as mesmas.
Antes do advento dessas leis, o patrocínio era o montante financeiro que as empresas extraíam da sua receita para investir na área cultural. Obviamente com um excelente retorno de marketing para a
corporação: melhorando a sua imagem institucional perante a comunidade. O
que acontece hoje é muito diferente, as empresas, especialmente privadas, que se dizem patrocinadoras de cultura, simplesmente se utilizam de mecanismos de renúncia fiscal. Ou seja, deixam de recolher para o cofre público parte dos impostos que lhe são devidos, tais como IR, ICMs e IPTU.
Esse dinheiro que as empresas repassam para a área cultural se intitulando como patrocinadores de
cultura, faturando largo espaço na mídia e conquistando simpatia no imaginário coletivo, é dinheiro público. Obrigatoriamente elas teriam que pagar esses impostos.
Em síntese podemos dizer que o Estado, com as leis de incentivo à cultura, transfere para a iniciativa privada e outras instituições, como estatais, o poder de "patrocinar" com dinheiro público. Além disso, essas leis facilitam a sonegação fiscal através de projetos superfaturados.
Como na maioria das vezes os critérios para esses "patrocínios" são pouco transparentes — isto quando existem — o que tem funcionado são os lóbis, o troca-troca de favores, jogo de interesses, boas relações pessoais e/ou a sutil ou escancarada utilização da influência política partidária. E aí cabem algumas perguntas: Quem tem mais chance de conseguir um "patrocínio", um artista famoso ou um desconhecido? Um projeto na ótica da indústria cultural, do mercado, do mero entretenimento, ou outro que questiona o sistema vigente? Algo que favoreça os interesses da empresa, ou que os coloca em xeque?
A discussão é profunda; o que assistimos é um Estado cada vez mais ausente de seu papel social em relação à saúde, educação, segurança, cultura... É a privatização se espalhando de forma direta ou indireta, de forma clara ou sorrateira para quase todos os setores da sociedade. É a busca da consolidação do chamado Estado Mínimo, coqueluche dos neoliberais do passado e os de plantão.
Patrocínios culturais através da iniciativa privada são bem vindos, e nada contra eles. Desde que sejam bancados, efetivamente, com recursos próprios da empresa. Dinheiro público travestido de
dinheiro privado é, no mínimo, vergonhoso.
A produção e o acesso aos bens culturais devem ser entendidos como um direito ao exercício da cidadania. Nesta lógica é imprescindível que se estabeleça neste país uma política cultural
pública, amplamente debatida na sociedade e de acordo com os seus interesses. Uma política cultural que busque incluir os seres humanos na perspectiva da prática solidária, criativa e libertadora - condição fundamental para a elevação da autoestima e de afirmação da identidade de um povo.
POR UMA POLÍTICA CULTURAL PÚBLICA
Cultura não é só literatura, música, cinema, teatro, dança, artes plásticas. É também o conjunto das chamadas "culturas populares", o artesanato, as festas e o folclore. Além disso, é a forma de comer, de vestir, de enterrar nossos mortos, de viver. Enfim, é um processo de construção permanente do qual homens e mulheres são sujeitos criadores. Mais do que entretenimento, é o modo pelo qual
uma sociedade dá sentido a sua própria existência.
Compartilhando da idéia de que nenhuma cultura é superio
r a outra, uma Política Cultural de caráter
público, democrático, pluralista, não deve reforçar as diferenças entre o que se conhece geralmente como "cultura erudita" (música clássica, balé, literatura, ópera, etc.) e "cultura popular". Pelo contrário, para que não haja uma sobreposição de valores, deve-se estimular a diversidade de práticas culturais e provocar o encontro das várias maneiras do fazer cultural. Sem esquecer que
certas atividades são simplesmente invenções da indústria cultural que recorrem à padronização/massificação, visando apenas o lucro. Ou ainda servem a interesses populistas e dominantes.
Neste sentido uma Política Cultural Pública deve incentivar e provocar a autoorganização dos setores culturais, a fim de que a produção cultural não fique sujeita aos interesses do Estado e/ou iniciativa privada, contribuindo para que a pluralidade cultural que compõe o município assuma o destino de suas práticas, não abdicando de sua herança ancestral, nem do direito a invenção. Essa política deve ainda resgatar a memória cultural do povo, preservar a sua identidade e estimular o intercâmbio —
dentro e fora do país.
É preciso romper com a lógica privatista, onde o poder público procura se desvencilhar de sua função social. Afinal de contas porque pagamos impostos, a serviço de que e de quem deve estar o Estado? É
fundamental e urgente cobrar dos gestores da coisa pública a responsabilidade perante as necessidades culturais da cidade, que leve em consideração os artistas, os produtores culturais e a população.
Por fim, uma Política Cultural Pública deve estimular a produção e possibilitar o acesso aos bens
culturais sem privilégio de qualquer espécie e contribuir para a efetiva construção da cidadania, onde sujeitos críticos — verdadeiros fazedores da história — tomem em suas mãos o controle das práticas culturais.
Em tempos neoliberais, de endeusamento do mercado, de exacerbado culto ao individualismo, de selvagem competitividade e egoísmo nunca foi tão importante valorizar a cultura, como identidade genuína de um povo e da nação. Pois a ação cultural pode propiciar espaços que resgatem, preservem e criem novos vínculos de solidariedade, onde o ser humano se sobreponha a todas as coisas.
Dinovaldo Gilioli - Diretor do Sindicato dos Eletriciários de Florianópolis/ SINERGIA e da UBE/União Brasileira de Escritores/SC
Postado por Mariana
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